domingo, 8 de novembro de 2009

Uma certa tarde chuvosa

Era uma tarde chuvosa como outra qualquer
Dava para sentir o asfalto ainda molhado, evaporando e levando para o ar aquele vapor quente e úmido. O sol refletia nas poças d´água, e tudo se visualizava mais do que realmente era. As flores ao redor do hospital estavam com gotas que pesavam em suas pétalas, e as faziam balançar para cima e para baixo. Parecia que tudo se desvendava sem que vozes fossem ecoadas daquele quarto. E então o silêncio daquela tarde chuvosa penetrou e ecoou uma triste canção de ninar. Era tudo tão preciso, aconteceu e assim deveria estar: Tudo estava conforme Deus quis e tudo haveria de ser respeitado.A noite anterior silenciou a todos e preparou-nos, pois Deus nos céus chorara inconsolado com sua decisão: Aquele corpo frágil não aguentava mais tanta dor e precisava repousar nos braços de seu criador. Então o dia que amanheceu molhada era um dia coberto de lágrimas e tristeza. Não pensem que Ele quis estender mais do que deveria, mas tudo que renasce do chão, um dia retorna a este. Então, tudo foi como devia ter sido, talvez um pouco duro demais para aqueles que sentiram o pesar dentro de seus corações, mas a conformação era um sentimento que jamais se restabeleceria, apenas a saudade ficaria. Então, foi assim que uma porta e abriu, para outra fechar, e diante de seu frágil corpinho de criança, uma das mais doces que eu já conheci, senão dizer, A MAIS DOCE, eu contive meu choro, limpei minhas mãos como sempre fazia para pegar nos seus pézinhos quentinhos, e fiz um último gesto de carinho e despedida.E foi assim, que ao me calar, dei lugar á dor dos mais próximos e sofri calada, ao ver meu anjinho partir.Espero que ele esteja em um lugar melhor, sei que sempre estamos acompanhados daqueles que partem, por que talvez nunca partam de fato.Mas o fato é que tudo retorna para nós, ele agora faz parte de cada pedacinho do mundo e está dentro de nós, bem como em tudo o que é bonito. Espero um dia, quando for minha hora, poder abraçá-lo, e dizer que o amei muito como a um filho, e que sempre estive feliz quando ele sorria pra mim, ainda desde pequeno.Sempre vou me lembrar daquelas mãozinhas magrinhas e de pele novinha, que me chamavam já meio sem jeito pra um abraço, mas agora não lamento, a única felicidade em relação á ele é saber que a dor se foi, e agora ele encontra-se em paz.Resta ao resto de nós, mortais, um dia encontrar a nossa.

Rosa.

"Cartas sem destino." de Flávia Rodrigues Lopez
Creative Commons License
uma certa tarde chuvosa by Flávia Pingarilho Rodrigues is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.
Based on a work at www.bocejosepercevejos.blogspot.com.
Permissions beyond the scope of this license may be available at www.bocejosepercevejos.blogspot.com.

O gigante sem nome

Era uma vez um grande gigante que habitava um planeta de nome
desconhecido.Este gigante era o responsável por todo o
funcionamento do planeta:Quando chorava, todos os mares e rios
transbordavam, quando ficava com raiva, todo o planeta ardia em
chamas, e milhares de árvores eram queimadas desde as folhas
passando pelos galhos, até a raiz.quando ficava feliz, milhares de
flores e frutos surgiam e alegravam o ambiente, e assim era e
assim foi. Certo dia, o gigante sem nome adoeceu,e tudo no planeta murchou:
as flores não mais abriam, as sementes não mais se transformavam
em frutos,os rios e mares secaram,e todos os pequenos habitantes
que ali viviam passaram a ficar doentes também. Um ser pequeno muito valente, resolveu ir até a colina mais alta,
onde o gigante sem nome morava, em busca de uma resposta para o
que estava acontecendo. Todos os outros seres pequenos o alertaram
de que isso seria uma loucura sem tamanho, já que o gigante nunca
antes apareceu para ninguém e isso podia ser por que não gostava
dos pequeninos.Mas o valente ser pequeno não deu importância para
o que os outros diziam, e logo os fez ver o grande perigo: Se ele
não fosse, alguém teria que ir, por que isso era uma
responsabilidade de todos os seres,já que todos dependiam do
gigante e de si próprios.Logo, mesmo sendo alertado novamente, o
pequeno valente foi em busca da salvação de todos.Ao entrar na floresta, descobriu que seres malignos é que eram os
grandes causadores de toda esta confusão: Eles tinham inveja do
gigante por ser tão grandioso e poderoso, e por não aceitarem
serem menores e sem muita importância, resolveram envenenar o
gigante sem nome. O pequeno valente, que tudo assistia, disse que
a inveja é um veneno que não tem cura,e tentou convencê-los a
darem a ele o antídoto que pudesse salvar o gigante, usando o
mesmo argumento de antes: Se o gigante ficasse doente e morresse,
todos os seres dependentes dele também adoeceriam até a morte.Com
medo deste triste fim, os seres pequenos malvados se arrependeram
e deram o antídoto que curaria o gigante. Determinado a cruzar a
floresta encantada, o pequeno valente, foi em busca do gigante.O caminho para tal fim era a coisa mais triste do mundo: tudo na
floresta parecia ter adormecido num sono profundo, que os tirou a
cor e a vida. As flores, antes coloridas e vibrantes, estavam
agora cinzentas e se desfazendo por entre os dedos do pequeno
valente,os frutos estavam congelados nas árvores, e os pássaros
que as comiam haviam sido envenados pelo fruto triste.Tudo estava
um caos, e era hora do pequeno valente apressar o passo para que
mais não fosse destruído. Ao chegar ao topo, encontrou um gigante
não muito assustador:fraco, magrinho, de roupas sujas por estar
jogado no chão sabe-se lá quantos dias,e espirrando muito.Estes
espirros eram muito perigosos, pois derrubavam árvores e toda a
terra tremia.Logo, o pequeno valente devia ter muito cuidado e
evitar esta "zona de perigo":Um passo em falso, e ele seria
arremessado para o outro lado do planeta.O gigante sem nome tremia..gemia...gritava de dor, estava cheio de
olheiras, já que não devia dormir há tempos de tanta dor que
sentia, os braços fraquinhos, que nem conseguiam mastigar uma
folhinha de flor marina, uma florzinha azul com gosto de aniz que
ele adorava.Com muito cuidado,e subindo pelo braço esquerdo do
gigante que estava encostado no chão,o pequeno valente chegou até
sua orelha e o chamou baixinho: "Seu gigante...seu gigante..o
senhor está bem?"O gigante sentiu uma coceirinha no ouvido e logo
se sacudiu, o pequeno valente foi arremessado a uma distância de
20 metros, quase que vai bem mais além.Ao voltar, quase sem
fôlego,pois afinal, tinha também antes escalado aquela enorme
colina, voltou e se aproximou de um local menos perigoso: os olhos
do gigante.Assim,quando o visse, talvez não o arremessasse tão
longe.Escalou o nariz do gigante (quase um quilômetro), e deu três
tapinhas nas pálpebras do grandão: "ÓO de casa!!".O gigante sem
nome pegou um susto tão grande, que deu um berro tão alto que o
pequeno valente ficou quase surdo. Logo, perguntou novamente: "O
senhor está bem?".O gigante perguntou "Quem é você pequenino e o
que quer?Vá embora e não me amole", o pequenino, que estava meio
surdo, respondeu"Hein?Cumé quié?", o gigante novamente respondeu
"Vai embora!!!"O pequenino logo entendeu, e disse "O senhor está
doente e eu sei quem fez isso". O gigante levantou-se
cuidadosamente e num gesto rápido, perguntou "Quem foi?Foi você?Me
diga quem foi que eu esmago com o meu dedo mindinho". O pequenino
logo respondeu: "Hein?!?Ah tá.Não posso dizer por que estes já se
arrependeram do que fizeram.Mas isso não importa.Precisamos do
senhor para salvar a todos.O planeta precisa de vocÊ.Aqui está o
antídoto.Os causadores desta confusão me deram após se
arrependerem do que fizeram.Tome logo e perdoe-os".O gigante olhou desconfiado, cheirou, sentiu um cheiro de frutas
vermelhas, e bebeu.Foi instantâneo!!!Logo ele deu um pulo que
chegou até as estrelas, quando aterrissou na terra, toda ela
tremeu.O gigante logo deu um tremendo grito feliz que coloriu toda
a terra que ali adoecera e antes encontrara-se sem vida.Logo, ele
pegou o pequeno valente, o agradeceu, e com um peteleco no
traseirinho dele, com apenas um dedo seu, o pequeno valente chegou
em casa. Todos na aldeia perguntaram como era o gigante, e o
pequeno valente disse a todos que era uma boa pessoa,e contou sua
história, que lera de um livro que o gigante dera a ele.Antes
dele, outros gigantes habitaram o planeta e tinham a mesma função:
a de manter todos neste vivo.Com o passar dos milÊnios, cada
membro da família do gigante tomou um rumo, cada um foi para outro
ponto da galáxia e criou seu próprio planeta com seus próprios
seres, e logo, o gigante sem nome, que era o menor de todos e por
isso não ganhara nome, ficou responsável pelo planeta dos
pequeninos.Todos admiraram a história do gigante e nem sabiam que
existiriam outros pequeninos longe daquele planeta.O gigante e
suas histórias fica para um próximo capítulo, afinal, hoje é dia
de todos dormirem e descansarem, pois foi um dia longo, mas
amanhã,pelo menos,podemos esperar por um dia melhor, mais vivo e
mais colorido, pois o gigante sem nome ainda vive e viverá por
muitos anos, cuidando de todos nós, pequeninos.
Creative Commons License
o gigante sem nome by Flávia Pingarilho Rodrigues is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.
Based on a work at www.bocejosepercevejos.blogspot.com.
Permissions beyond the scope of this license may be available at www.bocejosepercevejos.blogspot.com.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A semente do mal

Eu queria ter nascido bicho
Bicho é inocente
Bicho não traz maldade no peito
Bicho não cobiça
Não mata por prazer
Não come a não ser por necessidade

Bicho...

Um dia homens do "mundo civilizado"
aportaram aqui
nestas terras brancas e limpas
e no mar
despejaram o seu desprezo
para com a natureza
Estes homens não nos viram
Não nos ouviram
Tudo o que ouviram
Foi a cobiça dentro de si
A vontade de conquistar
Seja a que preço for
Pisaram em nosso chão
Lavaram suas mãos com nosso sangue
Estupraram nossas mulheres
Comeram da nossa comida
Beberam dos nossos rios
e vomitaram em nossas crenças
E ainda me dizem que Jesus é o salvador?
Jesus?Um homem que nunca vi,
E que de repente, por não querer apanhar mais
eu ter que aceitar em meu peito
que ele é meu salvador
e que ele é a verdade?

E Tupã, Tupã não existe?
Este meu Deus que sempre trouxe vida para a minha terra
é algo pagão, impuro, Tupã?
Roupas?Esconder o que ,se não há motivos de vergonha
Deus me vê deste jeito e não me pede vestimentas
Do caso não nasceria assim, desse jeito
Não há maldade no meu peito

Mas desde que homem branco aqui pisou
India deixou de existir...
Tupã é Deus pagão
Corpo nu é motivo de vergonha e pecado
Dividir comida é errado,
Não dar valor ao ouro e as pedras preciosas é burrice,
e ser índio brasileiro é motivo de vergonha e atraso.

E vocês ainda me perguntam porque eu não quero ser cristã?
Porque não quero pisar em outro, para subir na vida?
Não quero matar por diversão, mas por necessidade de ter o que comer?

Agora eu tomo vacinas
mas antes não era assim
não havia doenças
que pajé da tribo não curava,
homem branco trouxe doença e desgraça
e eu devo baixar a cabeça e esquecer o que eu era,
porque senão homem branco mata minha família
e eu perco a razão de viver...


NÃO
MIL VEZES NÃO
MEU CORAÇÃO PERTENCE A DEUS
E LIVRO NENHUM
CRENÇA NENHUMA
ME FARÁ ESQUECER
O QUE EU JÁ FUI
E UM DIA
QUEM SABE
POSSO VOLTAR A SER.

Porque selvagem é aquele que usa da pólvora para conseguir o que quer
E puro é aquele que vive sem precisar ter a necessidade de mostrar que venceu.



Ass:
Indía Potira.
Creative Commons License
A semente do mal by Flávia Pingarilho Rodrigues is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.
Based on a work at www.bocejosepercevejos.blogspot.com.
Permissions beyond the scope of this license may be available at www.bocejosepercevejos.blogspot.com.

Esmalte cor de Pistache

Esmalte cor de Pistache
Flora acaba de sair de uma loja de cosméticos para comprar um esmalte. Sim, um esmalte e um esmalte apenas, afinal, havia meses que estava sem emprego, e precisava de uma coisa para se sentir bem. Ao sair da loja, percebeu que todos olhavam espantados seu guarda chuva quebrado e segurado por ela em uma ponta. Flora não ligou muito para o guarda chuva, só sentiu-se mal por querer comprar algo mais nesta loja e só poder comprar um esmalte com míseros trocados que tinha no bolso.
Flora sabe que não precisa de muitas afirmações na vida que digam quem ela é, apenas está esquecida de uma ou duas coisas que gritam o seu nome, como por exemplo, este esmalte, cor de pistache, uma cor que poucos procuram, mas que quando vêem, todos notam e desejam copiar. Sempre foi assim em sua vida: ela fazia algo ousado, e logo todos outros a copiavam, logicamente, com imperfeição.
Mas o esmalte era de menos, sentia-se pouco mulher, pouco fêmea, estava com uma roupa que usara no dia anterior e estava com o cabelo sujo.Pensou que talvez devesse ressuscitar aquele cartão de crédito que prometera não usar mais,somente em caso de emergência...e acreditem...esta era uma emergência!
Andou,não havia vagas para ela no salão de beleza,foi dar uma volta, entrou no supermercado, comprou a comida para fazer o jantar,e por um momento percebeu que aquele era um cenário frequentemente visitado quando não tinha nada em mente, notou que havia as mesmas pessoas de dias em que esteve lá, e olha que foi mais uma vez na semana.Sentia-se vazia, e quando comprava algo,mesmo que uma pasta de dente,algo dentro de si preenchia, temporariamente.
Saiu de lá, usou antes o dinheiro da poupança que dizia não descontar mais, mas comida era uma emergência. Ao andar poucos metros do supermercado, cansou-se da humilhação do guarda chuva quebrado “de pobre”, e dignamente, jogou-o no lixo, onde um senhor com seu filho olhava sem parar, enquanto ela “encestava” o pobre guarda chuva preto, todo arrebentado.Antes pegar chuva, do que perder a dignidade.
Chegou ao salão, demorou a ser atendida, fez a sobrancelha, e a moça que a atendeu era tão gentil que sentiu-se cuidada por uma mãe.Era só do que precisava: um pouco de atenção e vaidade recuperada.
Sentindo-se melhor, pensou “por que não?” e resolveu cortar o cabelo e ter um motivo para olhar-se no espelho,novamente. Cada tesourada era um mal que saía de si, e que parecia estar impregnado em cada mecha de cabelo. Ao sair do salão agradeceu a todos, especialmente a designer de sua sobrancelha, e nem mesmo uma chuvinha estragou o seu visual, que não estava mais no cabelo, mas dentro de si.
Ao chegar em casa, preparou o jantar as pressas, e não é que deu?Quando o marido chegou, cumprimentou-o com um beijo apaixonado e ele notou a mulher que ali estava escondida em meio a tristeza e esquecimento por parte dela. Flora floresceu, a mulher escondida reapareceu, e graças a um esmalte, cor de pistache, muitas coisas boas vieram juntos neste dia.
Creative Commons License
Esmalte cor de Pistache by Flávia Pingarilho Rodrigues is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.
Based on a work at www.bocejosepercevejos.blogspot.com.
Permissions beyond the scope of this license may be available at www.bocejosepercevejos.blogspot.com.