sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A semente do mal

Eu queria ter nascido bicho
Bicho é inocente
Bicho não traz maldade no peito
Bicho não cobiça
Não mata por prazer
Não come a não ser por necessidade

Bicho...

Um dia homens do "mundo civilizado"
aportaram aqui
nestas terras brancas e limpas
e no mar
despejaram o seu desprezo
para com a natureza
Estes homens não nos viram
Não nos ouviram
Tudo o que ouviram
Foi a cobiça dentro de si
A vontade de conquistar
Seja a que preço for
Pisaram em nosso chão
Lavaram suas mãos com nosso sangue
Estupraram nossas mulheres
Comeram da nossa comida
Beberam dos nossos rios
e vomitaram em nossas crenças
E ainda me dizem que Jesus é o salvador?
Jesus?Um homem que nunca vi,
E que de repente, por não querer apanhar mais
eu ter que aceitar em meu peito
que ele é meu salvador
e que ele é a verdade?

E Tupã, Tupã não existe?
Este meu Deus que sempre trouxe vida para a minha terra
é algo pagão, impuro, Tupã?
Roupas?Esconder o que ,se não há motivos de vergonha
Deus me vê deste jeito e não me pede vestimentas
Do caso não nasceria assim, desse jeito
Não há maldade no meu peito

Mas desde que homem branco aqui pisou
India deixou de existir...
Tupã é Deus pagão
Corpo nu é motivo de vergonha e pecado
Dividir comida é errado,
Não dar valor ao ouro e as pedras preciosas é burrice,
e ser índio brasileiro é motivo de vergonha e atraso.

E vocês ainda me perguntam porque eu não quero ser cristã?
Porque não quero pisar em outro, para subir na vida?
Não quero matar por diversão, mas por necessidade de ter o que comer?

Agora eu tomo vacinas
mas antes não era assim
não havia doenças
que pajé da tribo não curava,
homem branco trouxe doença e desgraça
e eu devo baixar a cabeça e esquecer o que eu era,
porque senão homem branco mata minha família
e eu perco a razão de viver...


NÃO
MIL VEZES NÃO
MEU CORAÇÃO PERTENCE A DEUS
E LIVRO NENHUM
CRENÇA NENHUMA
ME FARÁ ESQUECER
O QUE EU JÁ FUI
E UM DIA
QUEM SABE
POSSO VOLTAR A SER.

Porque selvagem é aquele que usa da pólvora para conseguir o que quer
E puro é aquele que vive sem precisar ter a necessidade de mostrar que venceu.



Ass:
Indía Potira.
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Esmalte cor de Pistache

Esmalte cor de Pistache
Flora acaba de sair de uma loja de cosméticos para comprar um esmalte. Sim, um esmalte e um esmalte apenas, afinal, havia meses que estava sem emprego, e precisava de uma coisa para se sentir bem. Ao sair da loja, percebeu que todos olhavam espantados seu guarda chuva quebrado e segurado por ela em uma ponta. Flora não ligou muito para o guarda chuva, só sentiu-se mal por querer comprar algo mais nesta loja e só poder comprar um esmalte com míseros trocados que tinha no bolso.
Flora sabe que não precisa de muitas afirmações na vida que digam quem ela é, apenas está esquecida de uma ou duas coisas que gritam o seu nome, como por exemplo, este esmalte, cor de pistache, uma cor que poucos procuram, mas que quando vêem, todos notam e desejam copiar. Sempre foi assim em sua vida: ela fazia algo ousado, e logo todos outros a copiavam, logicamente, com imperfeição.
Mas o esmalte era de menos, sentia-se pouco mulher, pouco fêmea, estava com uma roupa que usara no dia anterior e estava com o cabelo sujo.Pensou que talvez devesse ressuscitar aquele cartão de crédito que prometera não usar mais,somente em caso de emergência...e acreditem...esta era uma emergência!
Andou,não havia vagas para ela no salão de beleza,foi dar uma volta, entrou no supermercado, comprou a comida para fazer o jantar,e por um momento percebeu que aquele era um cenário frequentemente visitado quando não tinha nada em mente, notou que havia as mesmas pessoas de dias em que esteve lá, e olha que foi mais uma vez na semana.Sentia-se vazia, e quando comprava algo,mesmo que uma pasta de dente,algo dentro de si preenchia, temporariamente.
Saiu de lá, usou antes o dinheiro da poupança que dizia não descontar mais, mas comida era uma emergência. Ao andar poucos metros do supermercado, cansou-se da humilhação do guarda chuva quebrado “de pobre”, e dignamente, jogou-o no lixo, onde um senhor com seu filho olhava sem parar, enquanto ela “encestava” o pobre guarda chuva preto, todo arrebentado.Antes pegar chuva, do que perder a dignidade.
Chegou ao salão, demorou a ser atendida, fez a sobrancelha, e a moça que a atendeu era tão gentil que sentiu-se cuidada por uma mãe.Era só do que precisava: um pouco de atenção e vaidade recuperada.
Sentindo-se melhor, pensou “por que não?” e resolveu cortar o cabelo e ter um motivo para olhar-se no espelho,novamente. Cada tesourada era um mal que saía de si, e que parecia estar impregnado em cada mecha de cabelo. Ao sair do salão agradeceu a todos, especialmente a designer de sua sobrancelha, e nem mesmo uma chuvinha estragou o seu visual, que não estava mais no cabelo, mas dentro de si.
Ao chegar em casa, preparou o jantar as pressas, e não é que deu?Quando o marido chegou, cumprimentou-o com um beijo apaixonado e ele notou a mulher que ali estava escondida em meio a tristeza e esquecimento por parte dela. Flora floresceu, a mulher escondida reapareceu, e graças a um esmalte, cor de pistache, muitas coisas boas vieram juntos neste dia.
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